segunda-feira, 21 de setembro de 2009

nekudat hen

Por Jules Gilet


Semana passada me chamaram para ir a um evento. Inauguração de um bazar itinerante, cheio de moças jovens atrás das novas tendências. Tímido por não estar trajando uma indumentária de acordo, resolvi mesmo assim me misturar. Entre moleskines, bonecas descoladas, sabonetes conscientes e araras cheias de panos dos mais variados, havia uma moça de vestido meio bege, salto alto escuro e muita pose, que passava de um lado para o outro, atarantada e dando atenção a todos.

No hay banda, respondeu um homem de sotaque português a um grupo de jovens que estava ali só pela festa. Independente de tudo, a moça, mais que must have, era um must be. Sem ela, o ambiente - apesar de muito colorido - ficava meio desbotado, quase pastel.

Ao entrar no recinto, as cores saturaram, o contraste apareceu, e até o som aumentou (mas este, sendo de verdade ou não, foi logo diminuído pela própria, que se preocupava com os vizinhos). Seu ar austero e de movimentos contidos denotavam um peso de responsabilidade pueril e sóbria. Ao pegar um shot de mousse de manga com canela, sem querer esbarrei nela e, como que por acaso, derramei um pouco do quitute naquele fantástico vestido. Nossa! Mil desculpas! Foi o que pensei, mas nada consegui dizer. A moça olhou para o vestido, depois para mim, abriu um sorriso com todos os dentes do mundo. No canto superior esquerdo de sua boca, uma marca que os hebreus chamam de “ponto de graça” (נקודת חן) e seus olhos, apesar de transmitirem um leve desagrado pelo acidente, me encararam de tal forma que me senti com 7 anos de idade, recobrando a calma ao soletrar uma palavra difícil no auditório lotado da escola.

Balbuciei alguma coisa, na ânsia de me desculpar, mas só gaguejei. Não foi nada, disse ela com uma serenidade digna de parteira do interior. De súbito, um jovem esquálido e afeminado vestindo roupas-tendência a chamou às pressas. Parecia seu assistente e chamava-se Alcides. Olhou para mim com desdém, depois com horror para a mancha de manga com canela, e logo puxou aquela mulher, que sumiu em meio a consumidores de chapéu, calças rasgadas e botas de meia estação.

Antes de sair daquele lugar cheio de gente chique, no qual sentia não me encaixar, principalmente por não conhecer nomes de estilistas e por derrubar comida em pessoas, perguntei a um senhor baixinho, careca e muito simpático sobre aquela moça, que era mais uma epifania do que qualquer outra coisa. Nadine disse-me ele, e é ela quem organiza essa coisa toda.

Voltei para casa com a sensação de ir na festa de casamento de bico e arrumar briga com o pai da noiva.

Um comentário: