terça-feira, 11 de agosto de 2009

O caranguejo, a verdade e o pão na chapa

Tem alguém aí? Perguntou o jovem do lado de fora. Ninguém respondeu. Podia ter certeza que viu alguém entrar por aquela porta, minutos antes. Estava ali, a esperá-la passar. Estranho, muito estranho. Ela acabara de sair para o trabalho e, de certo, demoraria um tanto a voltar. Mas ele não se importava. Iria esperar e dizer tudo que pensava. Sem rodeios, sem meias palavras. Deixaria bem claro o que sentia, sem se importar com a resposta. Afinal de contas era um homem, e um homem ter que fazer o que um homem tem que fazer. Mas enquanto nada acontecia, enquanto ali esperava, prostrado do outro lado da rua, tinha certeza que acabara de ver alguém entrar por aquela porta. Quem seria? São poucas pessoas que entram por ali. E afinal, que raios vinham fazer? Desimportante, isso é desimportante. O importante mesmo é saber exatamente o que dizer. O momento é decisivo e não haverá outra chance. O coração palpita. Talvez seja prudente se acalmar. Há uma padaria logo ali,... quem sabe se tomar um suco de laranja não acalma os ânimos? Dizem que maracujá também é ótimo para os nervos. Um pão na chapa seria ótimo também, afinal, já era onze da manhã e ele estava ali, de pé, desde as oito e meia. Por pouco a perdera de manhã, saindo, disse o porteiro. Mas também, dizer tudo o que é preciso logo de manhã é dose. Muita imprudência. A menina mal acorda e já é bombardeada. Não há sentido. À padaria. É, pão na chapa e suco de laranja, natural, claro. Mas e se ela voltar para o almoço? Mais uma oportunidade perdida. Melhor esperar. O celular toca, o chefe ligando. Ele ignora, afinal, nada mais importa, e ele não conseguiria trabalhar de forma alguma com essa pendência a ser sanada. De jeito nenhum. Uma e meia, e nada dela voltar para o almoço. Talvez esteja muito atarefada no trabalho. Ou talvez ela nem almoce em casa. Pior ainda, talvez ela nem more mais aqui. Não, isso não. Seguramente que mora. Semana passada mesmo ele tinha oferecido uma carona. Ela aceitou, muito educada. Estou cansada, disse. Sempre cansada. Estranho, muito estranho. Talvez ela trabalhe demais e faça muita festa, e esta é uma combinação muito cansativa, mesmo para os jovens. O telefone toca de novo, do trabalho. Melhor nem atender. Onde diabos está você? Pergunta o chefe por mensagem de texto. Será que vale resposta? No hospital. Atropelado a caminho do trabalho. É uma boa desculpa. Velório de vovó também pega bem. Melhor nem responder, conclui. Duas e quarenta. Talvez agora seja uma boa hora de ir até a padaria. O suco de laranja com gosto esquisito faz o garoto concluir que as laranjas foram cortadas com faca de cabo de madeira, a mesma que cortou as cebolas. Pelo menos o pão na chapa está ótimo, mas não vai bastar para amainar a fome. Lembrou-se que o sanduíche de bife à milanesa da padaria era demais. Comiam juntos, aos fins de semana ociosos. Certa vez ela comeu 13 deles. É que resolveu apostar com o dono da padaria, o Miltão. Miltão passou mal com dez, e ela mandou 13. Incrível mesmo. Mas isso faz muito, muito tempo. Miltão até já morreu, de enfarto. Parece que ele apostava sempre quem comia mais, até que as veias entupiram todas. Cinco e vinte. Ela deve chegar em breve, isso se não for correr ou atender à aula de Tai Chi no parque. Bom, recapitulando, dizer tudo, isso mesmo, tudo, sem rodeios. Ele repassa o discurso na cabeça, pois se ensaiar mesmo os passantes vão achá-lo maluco. Onde já se viu, falando sozinho? Seis e meia. Vê seu carro no fim da rua. É agora. Vai dizer tudo, tudo mesmo. As mãos suam, o estômago revira. Respire fundo, rapaz, disse para si mesmo. Ela embica o carro para estacionar, ele atravessa a rua, decidido. Ela o vê, e abaixa o vidro. Olá! Que faz você por aqui? Ela pergunta com um sorriso, já estendendo o rosto para ser cumprimentada. Estranhamente ela oferece a face e deixa a boca tão longe,... e se deixa beijar, mas não beija de volta, não faz nem o barulhinho. Isso lhe soa tão vazio, mas não importa, pois agora é hora de dizer. Diga! Sua cabeça comanda. Ela o encara, esperando por alguma resposta. Não, é que eu estava só passando por aqui. Vinha da igreja e ia à padaria. Igreja? Não sabia que freqüentava. Pois é... Bom, legal,... nos falamos mais tarde então. Estou tão cansada. Vou me aprumar e sair. Que tal uma cerveja? Acho uma boa, responde ele. Melhor eu ir agora, à padaria. Ok, depois nos falamos. Tchau. Ele sai andando, e pensando que mais uma vez deixou passar. Mas também não parecia um bom momento, certamente haverá um melhor. Igreja? Como assim, igreja? Não ia à igreja há anos. Que desculpa imbecil. Mas ele não é tão covarde assim, pensa. Será que evitava dizer tudo por algum motivo? Talvez esta seja uma gaveta que não valha a pena reabrir, pois está muito bagunçada, disse-lhe seu xamã. Mas ele relutava a acreditar nisso. Gaveta. Onde já se viu chamá-la de gaveta. Ela seria um belo de um criado mudo inteiro, isso sim. De ypê. Ou não. Semana que vem. Isso! Semana que vem volto e digo tudo. Fechado! Da semana que vem não passa. Não precisa aparecer mais. Essa foi a última mensagem de texto do chefe.

J.G.


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