quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O apagão da beleza


Acordou atrasada para os compromissos do dia. Tinha ficado à espera de voltar a luz. O apagão iniciado pouco depois das dez da noite em mais de 18 Estados brasileiros havia lhe tirado o sono. Uma preocupação maior com os peixes do aquário e a falta de oxigênio – a bomba também era plugada na energia elétrica, você imagina?! – outra que rondava seus pensamentos, mas que ela não deixava escapar para o marido: a geladeira e todos os iogurtes que facilitam o funcionamento do intestino, o queijo branco, a linhaça....ah, essa poderia resistir a muitos dias sem luz antes de estragar.

Mas enfim levantou-se depois de retirar cuidadosamente a máscara de creme de pepino do rosto. Queria aproveitá-la novamente na noite seguinte, apesar da queda do dólar propiciar mais compras cosméticas no Duty Free. Chegou à copa com sua roupa de ginástica e revoltou-se com a empregada. Onde estavam as duas fatias de pão integral e o mamão de todo santo dia? Quase sem coragem, a empregada responde que a ausência do pão era esquecimento mesmo e que o mamão...bem, o mamão não tinha resistido ao calor senegalês e à ausência de refrigeração.

Engoliu o café da manhã parcialmente balanceado e saiu para o dia extremamente cheio. Tinha que incumbir o motorista de deixar a babá na escola da filha e ir ao Santa Luzia; e deixar claro para ele que só deveria ir buscar as compras na Vila Nova DEPOIS que fizesse isso.

Rompeu a garagem de duas portas depois de sentar a mão na buzina sem dar bom dia ao segurança; que mesmo assim tinha obrigação de manter o trato e cumprimentá-la.

O stress foi dominando-a sorrateiramente. Primeiro os carros de pobre que enchiam as ruas da cidade. Depois as caçambas jogadas diante de prédios chiques como o seu, abarrotadas de entulhos. Mais adiante, a faixa exclusiva de ônibus, que absurdo dar prioridade pra eles! Jogou o carro na mesma para não chegar atrasada, ciente de que depois deveria falar com o Mauro, do DETRAN, para aliviar as multas e transferi-las a algum morto qualquer.

Não entendia porque tantos semáforos ainda estavam desligados. Sem ligar CBN ou Sul-América, xingava a CET, muito incompetente de ainda não ter feito as coisas voltarem ao normal. No caminho planejou o encontro via celular. Falando com a amiga, pediu que prometesse sigilo se quisesse a acompanhar na empreitada: então me encontre lá, mas vá sozinha! Não quero que espalhe, se não te tiro da roda de carteado de domingo no clube.

No endereço, discretos manobristas à frente de uma casa branca faziam a recepção. Mais uma vez sem o bom dia: não quero meu carro longe pra você ficar dando volta e pagando de gato. Você faça o favor de deixá-lo na porta ou falo com sua chefe. Servilmente, ele só assentiu com a cabeça.

Na entrada, a recepcionista, de sorriso largo, lhe dá bom dia e milagrosamente recebe de volta outro, acompanhado de um querida. “Está tudo pronto? Estou morrendo de pressa!”

A resposta trouxe lágrimas contidas aos seus olhos. “Olha, infelizmente, a gente não vai estar podendo realizar o bronzeamento hoje. A ANVISA acabou de divulgar uma nova norma que proíbe o uso deste aparelho que temos porque a pessoa que estiver fazendo o tratamento pode estar ficando mais propensa a ter problemas de pele...”

Era o fim....”paisinho de merda esse....quero ir pra Paris!, lá sim é que é País de verdade!”


Amaranthus

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