terça-feira, 28 de abril de 2009

Samba de Outono

Por Jules Gilet



I
Denis era um louva-a-deus do samba. Jovem, verde e disposto, saía todas as sextas a fim de encontrar os amigos, beber uma cerveja, enfim, curtir a curta e prazerosa existência com seus pares.

O samba comia solto no arbusto da rodésia, e a roda reunia gafanhotos, grilos, borboletas, baratas e todo o povo a fim de um bailinho. As formigas não, pois estas trabalham duro para manter coesa a existência.

Num desses dias de festa, estava o jovem louva-a-deus a se aprumar. Após o banho, se afeitou, passou água-de-cheiro e até gomalina no cabelo. Botou de volta no pescoço a correntinha de São Jorge e, como era outono e a temperatura cai, vestiu sua camisa xadrez de flanela.

II
No caminho, parou na casa da Vó Nísia, para pedir a benção e ver que efeito sua produção causava na mulher mais sábia do bairro. Ainda que suspeita para falar, pois era avó do herói, Vó Nísia se impressionou com o garbo do jovem, mas manteve o entusiasmo para si.

Benção, Vó.” Disse Denis.
Jah te abençoe, meu neto. Posso saber onde vai todo arrumado?
Pois vou ao samba!
Hoje já é sexta? Como os dias passam rápido... A vida é curta, Denis. Aproveite-a enquanto é tempo, ainda mais no outono. Época tão agradável...
Ta lembrando do vô, né?
Ah, seu avô... conheci-o no outono, numa noite como esta. A lua cheia sorria para os que dançavam na gafieira ao som do Cartola e....
A senhora já me contou essa história, minha vó.” Já se levantando.
"Vocês jovens são muito impacientes. Mas não o culpo. Vai, meu filho, vai rodar essa carcaça.

E assim Denis saiu da casa de sua avó, e tomou o rumo do baile.


III

No arbusto da rodésia, a roda já estava quente. E do centro dela saíam os maiores sucessos de Bezerra da Silva, Zeca Pagodinho, Adoniran, Noel, Chico, Vinícius, Lamartine Babo, Cartola, Paulinho da Viola, Monarco, Elton Medeiros, Candeia e Zé Keti.

Todos se amontoavam e cantavam. Esbarrando em baratas, bezouros e alguns zangões, Denis foi até a mesa de comidas, onde sarapatel – o seu prato preferido - caruru, tucupi e tacacá são regra. E para beber, muita Catuaba, cachaça e Netuno. Denis ia começar sua boquinha quando, de repente, se deparou com uma bela louva-a-deus fêmea, mas diferente dele, ela era uma bela e marrom statilia maculata. Denis ficou paralizado. Seu coraçãozinho começou a bater como nunca. Enquanto fitava, não se deu conta que seu amigo Ernestito - um besouro baixinho e fanfarrão - chegava e levou um pedala na nuca.

Acorda ae, Denis!
Pooorra, pedala é sacanagem!
Aqui é assim, trutinha. Vacilou, o cachimbo cai. Que ‘cê ta com essas antenas de pé?
To paradão naquela marrom ali.
A Isabel? Ela é realmente demais, né? Elegante, ereta, e samba que é uma beleza. Acho que vou convidá-la para um bate-coxa
É mesmo? E aquela ali?” Denis apontou para o outro lado.
Onde?

Ernestito se virou rapidamente, curioso e, neste momento, com um golpe rápido, o louva-a-deus virou o amigo de cabeça pra baixo, e este ficou sacudindo as perninhas pra cima, sem sair do lugar.

Rapidamente, Denis foi se esquivando do povo que dançava contente, até que chegou próximo a Isabel. Se apresentaram, se cheiraram e roçaram antenas. Isabel tinha um ar austero, porém sacana, e logo gostou do nosso herói que, verde como a mata, chamou-a para dançar. De fundo, Cartola:

"Tive que contar a minha vida
A esta mulher fingida
Que me faz sofrer
Esta dor que tanto me crucía
Roubou toda a alegria
Do meu viver

Pode ser que ela ouvindo os meus ais
Volte ao lar pra viver em paz

Esta malvada bem sabe o mal que me fez
Mas não faz mal eu lhe perdoo outra vez
Meu coração vive reclamando noite e dia
Por isso eu peço que ela volte para a minha companhia"

Rodopiaram o salão. Abriu-se um considerável espaço ao redor deles, e todos encaravam aquele jovem louva-a-deus conduzindo a esguia Isabel com muita destreza.


IV
Após muita dança, Denis chamou Isabel para tomar um Netuno e um ar. Esta aceitou de bom grado, e logo estavam fora do arbusto da rodésia, se atracando com muita lascívia. Bem que sua avó havia lhe avisado que o outono transforma as mulheres. Ela também havia dito outra coisa sobre as fêmeas, mas por ter a cabeça pequena demais, não conseguia se lembrar exatamente o que.

O clima foi esquentando e, bem ao fundo, Denis ouvia um tema de Chico.

“(...)
Essa moça tá decidida
A se supermodernizar
Ela só samba escondida
Que é pra ninguém reparar"

De repente, Isabel foi abrindo a camisa xadrez do nosso herói que, sem acreditar na situação em que se encontrava, devolveu o estímulo, esfregando as anteninhas na moça.
"(...)
Mas o tempo vai
Mas o tempo vem
Ela me desfaz
Mas o que é que tem
Que ela só me guarda despeito
Que ela só me guarda desdém"

E ali mesmo, no meio da mata, à luz da lua, consumaram o ato, sem se importar com os passantes. Uma taturana que voltava do trabalho ficou horrorizada ao ver tanta sem-vergonhisse e fez uma careta. Estranhamente, Denis, apesar de estar completamente envolvido na situação, tentava insistentemente relembrar o conselho de Vó Nísia. Parecia importante, mas não conseguia por nada se lembrar o que era. A temperatura do jovem herói foi subindo, e Isabel não saía de cima dele.

"Mas o tempo vai
Mas o tempo vem
Ela me desfaz
Mas o que é que tem
Se do lado esquerdo do peito
No fundo, ela ainda me quer bem
Essa moça...”

Acabou a música. Em meio aos aplausos, os sambistas fizeram menção de acabar com o som, mas o povo gritava “mais um, mais um!”. Denis tentou dizer algo, mas foi silenciado pela sensual moça, que aumentava seus movimentos cada vez mais. O povo começou a gritar em uníssono:

“Apesar de você
Amanhã há de seeeeeer
Outro diiiiiiiiaaa...”

E nesse momento nosso herói lembrou, mas era tarde, pois num movimento quase imperceptível, Isabel arrancou-lhe bem a parte da cabeça responsável pela lembrança dos conselhos da avó. Ele tentou gritar, mas ela tapou-lhe a boca e continuou a comer sua cabeça. Uma aranha que passava saiu correndo, achando que era assalto.

Não adianta gritar, meu bem. É assim que as coisas funcionam para nós.” Disse Isabel, de boca cheia.

E foi a última coisa que nosso jovem e verde herói, agora acéfalo, ouviu, pois a libidinosa e experiente Isabel abocanhou suas orelhas. Babando e tremendo, por algum motivo Denis ainda participava no ato do amor, e até com mais intensidade. E por fim, ambos chegaram ao clímax juntos, apesar de um não mais estar ali na consciência. Isabel, arfando, encarou-o por um tempo, caído na folhagem, mas como sua cabeça também era pequena, logo se esqueceu do nome de nosso herói. Reparou na correntinha de São Jorge no pescoço do desfalecido e pegou para si, de recordação.


8 comentários:

  1. heheheh. ah, os xovens, animados e afobados...

    ResponderExcluir
  2. Boa! Era assim mesmo que eu imaginava o amor dos insetos!

    ResponderExcluir
  3. estou a refletir sobre a condição dos insetos. Ô povo triste, que pode perder a cabeça por uma trepada...
    Bem parecido com outro tipo de bicho que se considera tão superior e inteligível!

    Ducaraí seu texto monster!

    ric.

    ResponderExcluir
  4. UMQV se orgulha de ler o que pra ele foi o melhor post do Kiputz! até aqui.

    Parabéns Skiiiiii! Bem teso.

    ResponderExcluir
  5. isso é muito bom...muito,mesmo!

    ResponderExcluir